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Fig.1: Um dos galpões de reciclagem que visitei em Porto Alegre.
Fig. 2: Um dos galpões de reciclagem que visitei em Porto Alegre.
Fig. 3: Galpão visitado na região de São Leopoldo. (Foto: Vicente Carcuchinski)
Fig. 4: Testando discos no galpão de São Leopoldo. (Foto: Vicente Carcuchinski)
Fig. 5: Catalogando e registrando os HDs.
Fig. 6: Os primeiros 21 HDs recuperados, ainda em 2016.
Fig. 7: Pirâmide de discos, reprodução de escultura com HDs, 2017.
Fig. 8: No Photo! Imagem resgatada, 2019.
Fig. 9: Montagem de exposição em Buenos Aires, 2017.
Fig.10: Alguns Discos Mortos, instalação em Porto Alegre, 2018.
Fig.11: Instalação na exposição da Ecarta, Porto Alegre, 2019. (Foto: Vicente Carcuchinski)
Fig.12: Sala 1 na exposição da Ecarta, Porto Alegre, 2019. (Foto: Vicente Carcuchinski)
Fig.13: Into the void, colagem digital, 2020.

Esses Desertos de Erros que aqui se apresentam nascem de um mapeamento do território da falha, do fracasso, da perda e da derrota. Frequentemente meus trabalhos nascem dessa espécie de impulso arquivista: coletar, compilar, reordenar, catalogar algo que havia sido perdido. Não por acaso esse mesmo conjunto de procedimentos constituem as raízes da pesquisa atual. O projeto que pode ser descrito cruamente como uma espécie de “arqueologia de HDs”, acabou apropriando seu nome de uma passagem de William Wilson, conto investigativo de Edgar Allan Poe, no qual o personagem relata: “Desejaria que descobrissem para mim, entre os pormenores que estou a ponto de relatar, algum pequeno oásis de fatalidade, perdido num deserto de erros”.

Meu processo de coleta dessas “desmemórias” que antes se concentrava em buscas por feiras das pulgas, antiquários e sebos, hoje se localiza em galpões de reciclagem de lixo eletrônico, sejam esses em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, ou Lagos, na Nigéria (destino do lixo tecnológico dos países desenvolvidos). É lá que se materializa a obsolescência programada — toneladas de material tecnológico descartadas como sucata. Entre tantas peças, minha busca se restringe aos discos rígidos, componente da informática responsável pelo armazenamento de dados como fotos, vídeos, música e textos. Eles são adquiridos por seu valor físico, seu peso bruto, entre R$ 3,00 e R$ 4,00 o quilo. A cada saída de campo realizada, os novos HDs passam a integrar um catálogo que os separa por local de compra, número da saída de campo e resultado do seu teste de leitura, momento em que finalmente se acessa seu conteúdo latente. Aqui emergem os oásis de fatalidade e desertos de erros: fotografias e vídeos de férias, celebrações, nascimentos, músicas, textos, documentos, a vida digital do mundo contemporâneo.

A coleção que se iniciou em 2015, durante minha pesquisa para o mestrado no Instituto de Artes da UFRGS (e no lançamento desta plataforma já avança em sua continuidade em um doutorado em curso no mesmo departamento), passou, já no início do pandêmico ano de 2020, a se pensar como um processo colaborativo. Para lidar com a reorganização e ressignificação desse conteúdo, recorri à colaboração de artistas de diferentes disciplinas como pintura, design, vídeo, música e artes performativas. Foi assim que, depois de organizar o material para o acesso coletivo remoto, esse grupo começou a traçar seus argumentos, sinopses e edições do material, dando uma pluralidade de processos que me seria impossível alcançar de forma solitária. Algumas questões, entretanto, nos eram comuns, especialmente a esse impulso de colecionar e reordenar. O que somos e manifestamos da condição humana quando nos colocamos como colecionadores?

“O verdadeiro feito, normalmente desprezado, do colecionador é sempre anarquista, destrutivo. Pois esta é a sua dialética: ele conecta à fidelidade para com as coisas, para com o único, por ele assegurado, o protesto teimoso e subversivo contra o típico e classificável” (BENJAMIN, 2006 pg.35)

Se Benjamin nos faz abraçar tão docemente a anarquia, enquanto anarquivistas, o processo dessa ressignificação também nos abre novas questões: Para onde estamos apontando com a fotografia? Quais são as possibilidades de futuro que evocam as imagens sobre as quais nos debruçamos?

Tenho em Vilém Flüsser, um grande oráculo futurístico, alguém que pôde antever tão bem o que vivemos hoje. Talvez justamente por isso ele tenha sugerido que a tarefa de uma “filosofia da fotografia” era “apontar o caminho da liberdade”. A máquina fotográfica representava para ele o protótipo de todos os dispositivos quânticos, a ponta de lança do “totalitarismo dos aparelhos em miniatura”. O único exercício de liberdade possível, na cena moderna, era aprender a “jogar contra o aparelho”, uma prática a que os fotógrafos, segundo ele, já se dedicavam “inconscientemente” (Flüsser, 2002, p. 82-4). (LISSOVSKY, 2011, pg. 20)

Jogar contra o aparelho e seu aparelhamento, não mais de forma inconsciente, mas de maneira plena, talvez seja um resumo de minha metodologia (ou ambição). Os procedimentos de busca, recuperação, compilação e publicação que marcaram a condução da pesquisa de mestrado, foram ações através das quais procurei o embate não com a máquina, mas com toda cadeia de elementos que a mesma opera: automatismo, obsolescência, vigilância, globalização, desmemória. A máquina perfeita, essa do totalitarismo dos aparelhos em miniatura, é a arma ideal de um estado de coisas pautado pela obsolescência que atende aos anseios do mercado. Em seu tempo, no momento que ao totalitarismo convier, surgirão ainda e sempre novas miniaturas, para soterrar a memória pelo acúmulo. Como seremos capazes de nos lembrar e de refletir sobre as lembranças, se a ação pela qual somos cobrados não vem da memória, senão do consumo vertiginoso de imagens? Inverter a lógica desse capitalismo imagético é então esse gesto poético fincado no território da resistência, viver em estado constante de anarquivamento.

Leo Caobelli, 2021

Referências

BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Annablume, 2013.

LISSOVSKY, Mauricio. Dez proposições sobre a fotografia do futuro. | ECO/UFRJ. Fórum Latinoamericano de Fotografia | São Paulo, 24/10/2010.

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